Trovadorismo
Sofrer por amor e sair por aí xingando todo mundo não é coisa nova para ninguém. Ninguém mesmo. Cantar sobre amor que deu errado, muito menos. Todas essas coisas estão presentes na história da humanidade basicamente desde que o mundo é mundo e, em língua portuguesa, elas existem pelo menos desde o século XI.
Inclusive, a primeira época da história da literatura em língua portuguesa, ou primeiro movimento literário propriamente dito, o Trovadorismo, é centrado nessas duas possibilidades: sofrimento amoroso ou pura e simples tiração de sarro (ou humilhação) de outra pessoa. Além disso, esse movimento também foi responsável por novelas de cavalaria e gêneros mais informativos, como os cronicões e os livros de linhagem.
Originalmente, o trovadorismo surgiu na Provença, região ao sul da França, e foi “importado” por outros países. Em Portugal, seu marco inicial é 1198 (ou 1189) quando surge a cantiga de amor e de escárnio (veremos a seguir o que isso significa) que Paio Soares de Taveirós compôs para Maria Pais Ribeiro, chamada A ribeirinha, também conhecida como cantiga de guarvaia.
O trovadorismo teve grande força na corte portuguesa durante cerca de 200 anos, sendo que um dos maiores trovadores (ou poetas) da época foi o rei Dom Dinis. O declínio desse movimento é marcado em 1418, quando o rei de então, Dom Duarte, nomeia Fernão Lopes como Guarda-Mor da Torre do Tombo, uma espécie de arquivista dos documentos do reino. A partir desse momento, entra em voga um novo período literário: o Humanismo.
Nos mais de duzentos anos em que Portugal viveu o Trovadorismo, foram compostas poesias (canções de amor, de amigo, de escárnio e de maldizer), novelas de cavalaria, crônicas históricas e livros de linhagem.
Contexto histórico
O Trovadorismo se inicia ainda durante as décadas finais da Guerra da Reconquista, quando portugueses e espanhóis procuravam expulsar os mouros da península ibérica e retomar o controle e poder sobre seus domínios. Inclusive, uma das hipóteses do surgimento da poesia trovadoresca, é a influência árabe. Além disso, não se descartam a influência folclórica, segundo a qual essa poesia foi criada pelo povo, a influência médio-latinista, que coloca em foco a literatura medieval e a influência da poesia litúrgico-cristã.
De toda forma, a influência dos trovadores de Provença, no sul da França, é inegável dentro do trovadorismo, pois lá se encontravam os maiores trovadores em um ambiente de grande crescimento econômico, luxo e de incentivo às artes.
Nessa época, Portugal se tornava uma nação independente, vivendo em um sistema feudalista e profundamente teocêntrico. Nas cortes, os nobres tinham a poesia como uma forma de entretenimento e, vários deles, tornaram-se trovadores.
os textos trovadorescos
A poesia
Os poemas trovadorescos são chamados de cantiga, pois eles eram compostos para serem acompanhados por música, com instrumentos musicais como flauta e alaúde. Nesse momento histórico, a poesia e a música eram indissociáveis e eram fonte de grande entretenimento, principalmente nas cortes.
O trovador era aquele que compunha os versos e a melodia e os executava, ou seja, aquele que tinha a autoria sobre seu trabalho. Nesse meio, também existia o segrel, posteriormente chamado de menestrel, era um artista, músico e cantor que executava as canções de outros trovadores e, geralmente, fixava-se em uma corte e ali ficava. Além deles, também existia o jogral, uma figura malvista, que declamava versos de outros trovadores, lucrando com isso.
A poesia trovadoresca se divide em duas partes: a lírico-amorosa e a satírica. A poesia lírico-amorosa, como o próprio nome já diz, está conectada à expressão de amor do eu poético, enquanto a satírica ocupava-se em satirizar, ridicularizar, pessoas e situações. Cada uma dessas vertentes subdivide-se em duas.
A poesia lírico-amorosa subdivide-se em cantigas de amor e cantigas de amigo. Embora os dois tipos de cantiga expressem sentimento amoroso, elas apresentam características distintas e bem específicas.
A poesia satírica subdivide-se em cantigas de escárnio e cantigas de maldizer. A seguir, você encontra a definição de cada uma dessas subdivisões.
Poesia lírica
Cantiga de amor
Nas cantigas de amor, o eu poético masculino (sempre masculino nesse tipo) faz uma confissão amorosa, na qual transparece um amor forte porém impossível, já que sua amada é inacessível (por estar em um estrato social mais elevado ou por ser casada mesmo).
Temos, nessas cantigas, a máxima expressão de um sofrimento amoroso ainda mais intenso pois o eu poético se coloca em posição de submissão e veneração a essa dama, em uma verdadeira vassalagem amorosa. A vassalagem amorosa nada mais é do que a relação de dominação da dama com seu trovador. Como uma verdadeira susserana, a senhora é dona do amor e pode dispor do eu poético, seu fiel vassalo.
O amor trovadoresco é a base do amor romântico: um amor fiel, puro, casto, porém arrebatador. As damas descritas nas cantigas de amor são belas, castas, honestas. Podemos falar, aqui, em idealização do amor e da mulher.
Cantiga de amigo
Na cantiga de amigo, o eu poético apresentado é uma mulher (isso não quer dizer que eram escritas por poetas mulheres, mas que o trovador assumia a voz feminina nesse tipo de poesia). Essa mulher também canta sobre o amor, mas do ponto de vista de um relacionamento real, em suas diversas fases.
Quando trata de sofrimento amoroso, porém, o eu lírico sofre pois seu amado partiu em uma empreitada e encontra-se distante, estando os dois em um afastamento forçado.
Sem ter notícias de um possível retorno, o eu poético feminino sofre e, por vezes, conversa com pessoas de seu círculo próximo, como mãe ou amigas, ou até mesmo com elementos da natureza, como o mar, as árvores, os pássaros, etc.
Ao contrário das cantigas de amor, que têm como cenário a corte, as cantigas de amigo se passam em ambiente rural, campestre, ou mesmo entre a plebe. Assim sendo, o eu poético é uma mulher do povo.
Poesia Satírica
Cantiga de escárnio
A cantiga de escárnio trabalha a sátira de forma indireta, ou seja, ela fala sobre alguém, sem, no entanto, identificá-lo. Assim, ela pode servir como sátira a um tipo de pessoas, pois critica e tira sarro de coisas mais genéricas, desde a aparência física, até comportamentos e vícios.
A cantiga de escárnio apresenta sarcasmo, zombaria e linguagem mais ambígua, justamente como técnicas para não identificar o alvo do escárnio.
Cantiga de maldizer
A cantiga de maldizer, embora ainda trabalhe com sátira, difere da cantiga de escárnio, pois identifica o alvo, sendo uma sátira direta e direcionada para alguém em específico. Assim, a crítica feita é direta e aberta, muitas vezes agressiva e contundente. Sua linguagem é direta e completamente desvelada.
Cancioneiros
Não é de se espantar que poucas cantigas sobreviveram ao tempo, afinal, na época ainda não existia como imprimir livros, então sua transmissão era feita de forma manuscrita. Porém, alguns textos chegaram aos nossos dias, principalmente graças aos cancioneiros, compilações manuscritas de cantigas trovadorescas. Os três cancioneiros de maior relevância e que sobreviveram ao tempo são, hoje, a fonte principal de pesquisa e estudo desse gênero literário.
>>> Cancioneiro da Ajuda
Data do fim do século XIII e contém 310 cantigas de amor. Encontra-se no Palácio Nacional da Ajuda, em Lisboa.
>>> Cancioneiro da Biblioteca Nacional
Também conhecido como cancioneiro Colocci-Brancuti, reúne canções de amor, de amigo, de escárnio e de maldizer, e foi compilado no século XVI. Encontra-se na Biblioteca Nacional de Lisboa.
>>> Cancioneiro da Vaticana
Contém 1200 cantigas (de amor, de amigo, de escárnio e de maldizer), data do final do século XV ou início do século XVI. Encontra-se na Biblioteca do Vaticano.
Novelas de cavalaria
Embora não tenha tanto destaque quanto a poesia trovadoresca, a prosa também foi desenvolvida no trovadorismo. Sua principal manifestação foram as novelas de cavalaria, ou seja, histórias romanceadas baseadas nas canções de gesta (poemas de assuntos épicos). Destacam-se nas novelas de cavalaria três ciclos distintos:
>>> Ciclo bretão ou arturiano
Novelas que giram em torno na figura do Rei Artur e dos cavaleiros da Távola Redonda. Esse foi o único ciclo que vingou em Portugal, graças às traduções a adaptações vindas do francês.
>>> Ciclo carolíngio
Textos protagonizados pelo rei Carlos Magno e os doze pares de França.
>>> Ciclo clássico
Novelas de temáticas greco-latinas.
Síntese
Portugal - Século XI até século XIV
Marco inicial: 1198 (ou 1189) - "Cantiga da ribeirinha", de Paio Soares de Taveirós
> Domínio da religião católica na Europa
> Teocentrismo e valores cristãos
> Feudalismo
Lírica Trovadoresca (séc XI- XII)
> Cantigas (textos poéticos recitados em coro, acompanhados de música.// redondilhas menores e maiores)
> Aproximação entre música e poesia com acompanhamento musical
>>> Líricas: escárnio/ maldizer
>>> Satíricas: de amor/ de amigo
> Autores principais: D. Dinis, Paio Soares de Taveirós, João Soares Paiva, João Garcia Guilhade, Martim Codax, Aires Teles
Prosa Medieval (séc XIII- XIV)
>>> Novelas de cavalaria (vindas dos poemas épicos sobre os feitos dos guerreiros)
>>> Ciclos: clássico (temas gregos e latinos); carolíngio (Carlos Magno e os doze pares da França); bretão ou arturiano (rei Artur e os cavaleiros da Távola Redonda).