Barroco
>>> Sistema literário X Manifestações literárias
>>> Características centrais:
Homem em conflito/dualidade/contrastes;
Estilos barrocos: Cultismo e conceptismo.
Nome no Brasil: Gregório de Matos, o Boca do Inferno, (poesia lírica amorosa, erótica, satírica, religiosa); Padre Antônio Vieira (1608-1697), Sermões.
>>> Estilos da época
Figuras de linguagem: a linguagem se dobra e desdobra para valorizar a composição do texto
Linguagem requintada, culta
Exploração de temas religiosos
Memento mori
Efemeridade da vida
Salvação espiritual
Aproveitar antes que acabe
Clique no link para um tour virtual à Igreja de Santa Maria della Vittoria, onde se encontra a escultura controversa "o êxtase de Santa Teresa", obra prima do barroco italiano, assinada pelo escultor Bernini.
No mundo:
Reflexos e consequências
Renascimento
Reforma protestante
Contrarreforma católica
Revolução comercial
Mercantilismo
Burguesia enriquecida
Oposição à modernidade burguesa, científica e leiga
Contrastes e tensão
Dicotomias e aproximação de opostos
Eu e o mundo (fé X razão)
Tensão entre ciência e religião (Galileu, Kepler, Newton)
Crise dos valores renascentistas
Conflito humano: prazeres terrenos X glórias celestiais
Homem X Deus
Antropocentrismo X Teocentrismo
Denominação posterior, em retrocesso
Forte influência espanhola (unificação dos reinos de Portugal e da Espanha)
Predisposição Ibérica para o misticismo, na contramão do resto da Europa
Concepção triunfalista e messiânica da coroa (navegações, Alcácer-Quibir), Cia de Jesus
No Brasil
1601: Prosopopeia de Bento Teixeira
Fortalecimento da presença da Igreja Católica
Forte presença da Companhia de Jesus
Estética: cultismo X conceptismo
Ao braço do mesmo Menino Jesus quando apareceu
O todo sem a parte não é todo,
A parte sem o todo não é parte,
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga, que é parte, sendo todo.
Em todo o Sacramento está Deus todo,
E todo assiste inteiro em qualquer parte,
E feito em partes todo em toda a parte,
Em qualquer parte sempre fica o todo.
O braço de Jesus não seja parte,
Pois que feito Jesus em partes todo,
Assiste cada parte em sua parte.
Não se sabendo parte deste todo,
Um braço, que lhe acharam, sendo parte,
Nos disse as partes todas deste todo.
Cultismo
Linguagem culta, preciosista
Grande impacto da forma
Jogos de palavras, trocadilhos, enigmas
Luis de Gôngora – Gongorismo
Ao Mesmo Assunto e na Mesma Ocasião
Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado,
Da vossa piedade me despido,
Porque quanto mais tenho delinquido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.
Se basta a vos irar tanto um pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido,
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.
Se uma ovelha perdida, e já cobrada
Glória tal, e prazer tão repentino
vos deu, como afirmais na Sacra História:
Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada
Cobrai-a, e não queirais, Pastor divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.
Conceptismo
Jogo de ideias
Valorização do conteúdo
Raciocínio lógico
Quevedo – Quevedismo
Gregório de Matos
Gregório de matos (c. 1636 - c. 1669) foi o maior poeta do barroco brasileiro que chegou até os nossos dias. Filho de uma nobreza baiana empobrecida, o poeta cujo epíteto tornou-se Boca do Inferno, foi um crítico inclemente de tudo aquilo que julgava falhas morais e sociais de seu tempo. Clique para ler a biografia do autor no site da ABL.
Documento da vida social dos Seiscentos
Qualidade poética
Poética contraditória: bem ao gosto do barroco (encomiástica, crítica, lírica, obscena, religiosa)
Voz moralizante, crítica, nobre que mascara interesses próprios de sua situação social, preconceito contra todo o tipo de mestiço (fidalgos com sangue indígena também, novos ricos no geral) e cobiça sexual das mulatas
Representante da velha nobreza branca portuguesa
Sátira rude, bruta, pessimista
Uso de algumas formas poéticas fixas, tais como:
a) sonetos: poemas de catorze versos, divididos em dois quartetos (introdução ou exposição) e dois tercetos (o primeiro terceto traz o ponto central do poema e o último o remate; o verso final do soneto é chamado de Chave de Ouro); versos metrificados e rimados.
b) Refrão: verso(s) que se repete(m) ao final das estrofes.
c) Métrica: uso predominante de versos decassílabos.
A tentativa de conciliar opostos, incorporando contrários (espírito e matéria, pecado e virtude); utilizando-se de uma linguagem rebuscada com emprego intenso de metáforas, antíteses (dormir e acordar) e paradoxos (dormir acordado).
A religiosidade: brevidade da vida, desengano do mundo, terror do inferno, ânsias do céu.
Linguagem pomposa, exagerada, expressando gosto pela grandiosidade com emprego de hipérboles, metáforas, metonímias e elipses.
Sensorialismo: busca-se o efeito sugestivo de fortes impressões sensoriais (procurando impressionar a vista, o ouvido, o tato, o olfato, o palato), com emprego de aliterações, assonâncias e onomatopeias.
Alguns poemas e características
1. Poesia satírica: social e política
Poesia através da qual o autor satiriza tudo e todos, debochando das pessoas, denunciando os desmandos dos poderosos e do clero e colocando diante do público as barbaridades sociais, religiosas e administrativas do Brasil Colônia. Sua poesia satírica tematiza também o conflito/crise entre a sociedade baiana absurda do seu tempo e a sociedade tradicional.
Alguns temas: a crise econômica; a debilitação das Câmaras; a ascensão do negociante português; a opressão colonial; idealização do passado; agressão ao mulato; denúncia da devassidão dos religiosos; revolta contra seus oponentes...
O poeta denuncia a ignorância e a devassidão dos religiosos
Ao mesmo com presunções de sábio, e engenhoso (pág. 144)
Este Padre Frisão, este sandeu,
Tudo o demo lhe deu e lhe outorgou,
Não sabe musa musae1, que estudou,
Mas sabe as ciências, que nunca aprendeu.
Entre catervas de asnos se meteu,
E entre corjas de bestas se aclamou,
Naquela Salamanca2 o doutorou,
E nesta salacega3 floresceu.
Que é um grande alquimista isso não nego,
Que alquimistas do esterco tiram ouro,
Se cremos seus apógrafos conselhos.
E o Frisão as Irmãs pondo ao pespego4,
Era força tirar grande tesouro,
Pois soube em ouro converter pentelhos.
1: não sabe latim, nem poesia e artes; 2: célebre universidade espanhola; 3: trocadilho: salamanca, salacega; 4: submetendo à força
O poeta comenta e critica a decadência da colônia provocada pela exploração econômica exercida pelos comerciantes portugueses e incentivada pela metrópole (evoca o passado)
À cidade da Bahia (pág. 44)
Triste Bahia! ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.
A ti trocou-te a máquina mercante1,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando, e tem trocado,
Tanto negócio e tanto negociante.
Deste em dar tanto açúcar excelente
Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote2.
Oh se quisera Deus, que de repente
Um dia amanheceras tão sisuda
Que fora de algodão o teu capote!
1: duplo sentido: a máquina mercante a trocou e naus que aportam para comércio;
2: designação pejorativa do estrangeiro.
O poeta debocha do Governador
À despedida do mau governo que fez este governador (pág. 114)
Senhor Antão de Sousa de Meneses,
Quem sobe a alto lugar, que não merece,
Homem sobe, asno vai, burro parece,
Que o subir é desgraça muitas vezes.
A fortunilha autora de entremezes1,
Transpõe em burro o Herói, que indigno cresce:
Desanda a roda, e logo o homem desce,
Que é discreta a fortuna em seus reveses.
Homem sei eu que foi Vossenhoria,
Quando o pisava da fortuna a roda2,
Burro foi ao subir tão alto clima.
Pois vá descendo do alto, onde jazia;
Verá quanto melhor se lhe acomoda
Ser home em baixo, do que burro em cima.
1: composições teatrais breves e jocosas, que serviam de entreatos das comédias ou tragédias;
2: roda da fortuna, imposições do destino.
O poeta ironiza o número e a incompetência dos funcionários, dos fuxiqueiros, dos negros arrogantes e malandros que espezinham os verdadeiros nobres, e trata da roubalheira generalizada
Descreve o que era naquele tempo a cidade da Bahia (pág. 45)
A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana e vinha;
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.
Em cada porta um bem frequente olheiro,
Que a vida do vizinho e da vizinha
Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
Para o levar à praça e ao terreiro.
Muitos mulatos desavergonhados,
Trazidos sob os pés os homens nobres1,
Posta nas palmas toda a picardia,
Estupendas usuras nos mercados,
Todos os que não furtam muito pobres:
E eis aqui a cidade da Bahia.
1: para Gregório, os mulatos em ascensão subjugam com esperteza os verdadeiros “homens nobres”.
O poeta comenta e critica a decadência da colônia provocada pela exploração econômica exercida pelos comerciantes portugueses e incentivada pela metrópole (evoca o passado)
À cidade da Bahia (pág. 44)
Triste Bahia! ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.
A ti trocou-te a máquina mercante1,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando, e tem trocado,
Tanto negócio e tanto negociante.
Deste em dar tanto açúcar excelente
Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote2.
Oh se quisera Deus, que de repente
Um dia amanheceras tão sisuda
Que fora de algodão o teu capote!
1: duplo sentido: a máquina mercante a trocou e naus que aportam para comércio; 2: designação pejorativa do estrangeiro.
2. Poesia lírica-amorosa e erótica
Tematiza basicamente os choques entre ascetismo e sensualismo, espírito e matéria, fazendo os contrários passarem por uma série de transformações e aproximações que os faz inseparáveis.
Os choques e conciliações entre contrários explodem na sensualidade ao mesmo tempo exaltada e reprimida da poesia erótica. Nesses poemas não há necessariamente uma liberação do corpo e nem um desprendimento do moralismo e machismo da época, que faz das mulheres objeto, sobretudo se negras ou mulatas.
O poeta admira a beleza da mulher amada: paradoxalmente, é um Anjo e desperta desejos pecaminosos
Rompe o poeta com a primeira impaciência querendo declarar-se e temendo perder por ousado (pág. 216)
Anjo no nome, Angélica na cara!
Isso é ser flor, e Anjo juntamente:
Ser Angélica flor, e Anjo florente,
Em quem, senão em vós, se uniformara:
Quem vira uma tal flor, que a não cortara,
De verde pé, da rama florescente;
E quem um Anjo vira tão luzente,
Que por seu Deus o não idolatrara?
Se pois como Anjo sois dos meus altares,
Fôreis o meu Custódio, e a minha guarda,
Livrara eu de diabólicos azares.
Mas vejo, que por bela, e por galharda,
Posto que os Anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.
Sonho erótico com a mulher desejada
Sonho que teve com uma dama estando preso na cadeia (pág. 243)
Adormeci ao som do meu tormento1;
E logo vacilando a fantasia,
Gozava mil portentos de alegria,
Que todos se tornaram sombra e vento.
Sonhava, que gozava o pensamento
Com liberdade o bem que mais queria,
Fortuna venturosa, claro dia;
Mas ai, que foi um vão contentamento!
Estava, oh Clóris minha, possuindo
Desse formoso gesto a vista pura;
Alegre glórias mil imaginando.
Mas acordei; e tudo resumindo,
Achei dura prisão, pena segura:
Oh quem sempre estivera assim sonhando!
O bem que não se realizou
Defende-se o bem que se perdeu na esperança pelos mesmos consoantes (pág. 223)
O bem que não chegou a ser possuído
Perdido causa tanto sentimento,
Que faltando-lhe a causa do tormento
Faz ser maior tormento o padecido.
Sentir o bem logrado, e já perdido,
Mágoa será do próprio entendimento;
Porém o bem, que perde um pensamento
Não deixa a outro bem restituído.
Se o logro satisfaz a mesma vida
E depois de logrado fica engano
A falta, que o bem faz em qualquer sorte
Infalível será ser homicida;
O bem, que sem ser mal, motiva o dano,
O mal, que sem ser bem, apressa a morte.
O poeta expressa as ansiedades, dúvidas e incertezas do amor
Admirável expressão de amor mandando-se-lhe perguntar como passava (pág.234)
Aquele não sei quê, que, Inês, te assiste
No gentil corpo, e na graciosa face,
Não sei donde te nasce, ou não te nasce,
Não sei onde consiste, ou não consiste.
Não sei o quando ou como arder me viste,
Porque Fênix de amor me eternizasse:
Não como renasce ou não renasce,
Não sei como persiste ou não persiste.
Não sei como me vai, ou como ando,
Não sei o que me dói, ou porque parte,
Não sei se vou vivendo, ou acabando.
Como logo meu mal hei de conter-te,
Se, de quanto a minha alma está penando,
Eu mesmo, que o padeço, não sei parte1?!
1: não tenho notícia.
Rejeição
Terceira impaciência dos desfavores de sua senhora (pág. 254)
Dama cruel, quem quer que vós sejais,
Que não quero, nem posso descobrir-vos,
Dai-me agora licença de arguir-vos,
Pois para amar-vos tanto me negais.
Por que razão de ingrata vos prezais,
Não pagando-me o zelo de servir-vos?
Sem dúvida deveis de persuadir-vos
Que a ingratidão a formosenta mais.
Não há cousa mais feia na verdade;
Se a ingratidão aos nobres envilece,
Que beleza fará uma fealdade?
Depois que sois ingrata, me parece
Torpeza hoje, o que ontem foi beldade
E flor a ingratidão, que em flor fenece.
Terceira vez impaciente muda o poeta o seu soneto na forma seguinte (pág. 339)
Discreta, e formosíssima Maria,
Enquanto estamos vendo claramente
Na vossa ardente vista o sol ardente,
E na rosada face a aurora fria:
Enquanto pois produz, enquanto cria
Essa esfera gentil, mina excelente
No cabelo o metal mais reluzente,
E na boca a mais fina pedraria:
Gozai, gozai da flor da formosura,
Antes que o frio da madura idade
Tronco deixe despido, o que é verdura.
Que passado o zenith* da mocidade,
Sem a noite encontrar da sepultura,
É cada dia ocaso da beldade.
*é o ponto superior e extremo fundamental na orientação humana, onde o prolongamento da linha vertical da pessoa em pé, na superfície da terra, intercede a esfera imaginária celeste.
3. Poesia religiosa
A poesia religiosa de Gregório de Matos vai refletir o estado de espírito do homem da época, e a dualidade matéria/espírito se projeta na dualidade culpa/perdão. Os poemas tomam um tom de confessionário.
Sobre a instabilidade dos bens materiais
Moraliza o poeta nos Ocidentes do Sol a inconstância dos bens do mundo (pág. 336)
Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.
Porém, se acaba o Sol, por que nascia?
Se é tão formosa a Luz, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?
Mas no Sol, e na Luz falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se a tristeza.
Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.
Reconhecimento do pecado, arrependimento e pedido de perdão
A N. Senhor Jesus Cristo com atos de arrependido e suspiros de amor (pág. 315)
Ofendi-vos, meu Deus, bem é verdade,
É verdade, Senhor, que hei delinquido,
Delinquido vos tenho, e ofendido,
Ofendido vos tem minha maldade.
Maldade, que encaminha a vaidade,
Vaidade, que todo me há vencido,
Vencido quero ver-me e arrependido,
Arrependido a tanta enormidade.
Arrependido estou de coração,
De coração vos busco, dai-me os braços,
Abraços, que me rendem vossa luz.
Luz, que claro me mostra a salvação,
A salvação pretendo em tais abraços,
Misericórdia, amor, Jesus, Jesus!
Pe. Antonio VIeira
Padre Antônio Vieira nasceu em Lisboa em 06 de fevereiro de 1608 e faleceu em Salvador (Bahia) em 18 de julho de 1697. Missionário da Companhia de Jesus, Vieira é um dos maiores nomes do Barroco brasileiro. Sua obra é composta sobretudo por sermões.
Nascido em Lisboa, chegou ao Brasil ainda criança
Desejo de ação contrarreformista
Defesa dos novos cristãos (mal visto em Portugal)
Defesa dos nativos brasileiros (mal visto no Brasil)
Artista da palavra
Oratória e retórica