Arcadismo
Arcadismo/Setecentismo/Neoclassicismo
Século XVIII
Equilíbrio, espontaneidade, harmonia na pureza e simplicidade das formas grego-latinas
Marco inicial
Segunda metade do séc. XVIII// no Brasil: 1768 ( fundação da Arcádia Ultramarina, em Vila Rica, Publicação de Obras, de Cláudio Manuel da Costa).
Antecedentes
Primeira metade do séc XVIII: decadência do pensamento barroco burguesia ascendente, voltada para questões mundanas, passando a religiosidade para segundo plano; cansaço do público para o exagero barroco, ascensão do subjetivismo da arte burguesa.// combate aos valores da monarquia que corromperam o homem (Ancien Régime + Sistema Colonial) X resgate ao ideal do “bom selvagem”(Rousseau), resgate da pureza e da simplicidade das formas clássicas.
Contexto histórico (mundo)
Ascensão do Iluminismo/ Ideal do “Bom selvagem” — o homem nasce bom, a sociedade que o corrompe)/ Racionalismo+ despotismo esclarecido: um governo forte que daria segurança ao capitalismo mercantil da burguesia.
1759 em Portugal: Marquês de Pombal (ministro representante do despotismo esclarecido) expulsa os Jesuítas, encabeça uma renovação cultural e o ensino leigo.
1776: independência dos Estados Unidos, seguidos de vários países da AL.
No Brasil
Anos finais do séc. XVII morte de Vieira e de Gregório de Matos, sem substitutos à altura (séc. XVIII)
O pensamento iluminista francês encontra ampla repercussão no crescente sentimento nativista e na mentalidade dominante provinda da área de mineração.
Centro econômico brasileiro: Nordeste Minas Gerais e Rio de Janeiro, devido ao ciclo do ouro.
Junto com a economia: vida política, social, cultural.
Vila Rica, MG, torna-se incubadora da elite cultural brasileira, responsável pelo Arcadismo e pela Inconfidência Mineira;
A Inconfidência Mineira
Uma leitura de mundo “ao mesmo tempo” em que aconteciam as coisas no mundo.
Muitos brasileiros estudando na Europa.
Fervilhamento de ideais libertários burgueses.
A figura do poeta como intelectual-social: aquele que pensa política, economia, sociedade.
O retorno às "origens"
O Arcadismo brasileiro baseia-se no movimento europeu do Neoclacissismo, que valoriza os ideais artísticos grego-latinos, procurando emulá-los em suas criações. O nome Arcadismo é uma referência à Arcádia, região do Peloponeso, que na antiguidade clássica foi ideal de inspiração poética.
O movimento árcade surge como uma resposta tanto à opulência e rebuscamento do Barroco, quanto à aflição que a vida citadina causava, com os avanços científicos e crescimento populacional. A figura do pastor, comemorada pelos árcades como o ideal de vida simples e natural, passa a ser um norteador nessa produção, bem como habitar em espaços naturais e intocados torna-se o ideal de vida saudável e prazerosa. Assim, a arte árcade procurou retornar a formas consideradas mais simples, baseando-se na antiguidade clássica.
Videoaula
Para Alfredo Bosi, duas manifestações que se justapuseram no período:
O momento poético que nasce do encontro, embora ainda amaneirado, com a natureza e os afetos comuns dos homens, refletido através da tradição clássica e de formas bem definidas, julgadas dignas de imitação (Arcadismo);
O momento ideológico, que se impõe no meio do século, e traduz a crítica da burguesia culta aos abusos da nobreza e do clero (Ilustração).
Ainda Alfredo Bosi, sobre o binômio campo-cidade:
“A partir do Século XVIII, o binômio campo-cidade carrega-se de conotações ideológicas e afetivas que vão se constelando em torno das posições de vários grupos sociais. Antes da Revolução Industrial e da Revolução Francesa, o burguês, ainda sob a tutela da nobreza, via o campo com olhos de quem cobiça o Paraíso proibido idealizando-o como reino da espontaneidade: é a substância do idílio e da écloga arcádica. Com o triunfo de ambas as revoluções, a burguesia mais próspera tomará de vez o poder citadino, (...). Mas tanto no contexto árcade-ilustrado como no romântico-nostálgico há um apelo à natureza como valor supremo que em última instância é a defesa do homem infeliz.”
Características Árcades
Modelos clássicos greco-latinos e renascentistas;
Mitologia pagã como elemento estético;
A busca pelo “Bom Selvagem”+ Fugere urbem: voltar-se à natureza, vida simples, bucólica, pastoril;
Máximas latinas: Carpe diem, Aurea mediocritas, Fugere urbem, Locus amoenus;
Fingimento poético: o estado de espírito/questão política e ideológica X realidade burguesa, vida em centros urbanos;
>> Os poetas eram intelectuais citadinos
>> Não se confunda: embora os ideais e paisagens árcades fossem pastoris e campesinas, os poetas eram citadinos
>> Pseudônimos de pastores e pastoras: Marília, Dirceu, Glauceste Satúrnio/ Critilo e Doroteu (Cartas Chilenas)
>> Simulação de uma vida saudável, despida de luxos, pastoril
Aspectos formais: sonetos e poemas épicos, versos decassílabos, rimas facultativas, espaço para a sátira política (Cartas chilenas, de Tomás Antônio Gonzaga)
As máximas latinas
Inutilia truncat (banir ou cortar as inutilidades):
Tanto no texto quanto na vida idealizada, o ideal é cortar fora todas as coisas inúteis e sobressalentes. Na poética árcade, esse ideal responde diretamente à estética barroca da opulência, da elaboração e rebuscamento demasiados, enquanto reafirma a opção dos poetas do Arcadismo pela elegância, simplicidade e equilíbrio formal da poética grego-latina.
Fugere Urbem (fugir da cidade)
Enquanto a vida urbana causa ansiedade, a vida pastoril é compreendida como a ideal para a contemplação e desfrute de uma vida simples, desprovida de luxos e de outras inutilidades. Embora os árcades pregassem as bem-aventuranças da vida simples e pastoril, eles mesmos faziam parte não só da vida urbana, sobretudo em Minas Gerais, mas também da elite cultural e intelectual da época.
Locus amoenus (lugar ameno)
Os ambientes e paisagens idílicas são constantemente evocados na poesia do Arcadismo. O espaço ideal para o cultivo do intelecto e do espírito era, dentro desse movimento, espaços naturais, onde houvesse tranquilidade e harmonia entre todos os seus componentes, seja a paisagem, sejam os animais ali presentes. Campos verdejantes, correntes de água fresca e calma, pássaros melodiosos, tudo em equilíbrio e harmonia, despertam os sentidos e convidam o sujeito à contemplação.
Carpe diem (colha o dia):
Esse ideal latino, que aparece nas Odes (I, 11.8) de Horácio, poeta romano que viveu entre 65 e 8 a.C, também pode ser traduzido para aproveite o dia, na tentativa de lembrar que, se o amanhã é incerto e a vida, efêmera, há que se aproveitar ao máximo o momento presente de forma mais proveitosa e prazerosa possível. Vale lembrar que Horácio também recomendava a moderação e o comedimento diante do prazer.
Aurea mediocritas (mediocridade do ouro)
Como a vida é efêmera, feliz é aquele que vive tranquilamente e se contenta apenas com aquilo que tem, sem ambicionar maiores riquezas terrenas.
Principais Poetas árcades
Claudio Manuel da Costa (Glauceste Satúrnio/Doroteu).
Tomás Antônio Gonzaga (Dirceu/Critilo).
Santa Rita Durão
Basílio da Gama
Síntese
Clique na imagem para abrir um infográfico com a síntese dos conteúdos principais do Arcadismo.
Poemas
Claudio Manuel da Costa
I
Para cantar de amor tenros cuidados,
Tomo entre vós, ó montes, o instrumento;
Ouvi pois o meu fúnebre lamento;
Se é, que de compaixão sois animados:
Já vós vistes, que aos ecos magoados
Do trácio Orfeu parava o mesmo vento;
Da lira de Anfião ao doce acento
Se viram os rochedos abalados.
Bem sei, que de outros gênios o Destino,
Para cingir de Apolo a verde rama,
Lhes influiu na lira estro divino:
O canto, pois, que a minha voz derrama,
Porque ao menos o entoa um peregrino,
Se faz digno entre vós também de fama.
III
Pastores, que levais ao monte o gado,
Vêde lá como andais por essa serra;
Que para dar contágio a toda a terra,
Basta ver se o meu rosto magoado:
Eu ando (vós me vêdes) tão pesado;
E a pastora infiel, que me faz guerra,
É a mesma, que em seu semblante encerra
A causa de um martírio tão cansado.
Se a quereis conhecer, vinde comigo,
Vereis a formosura, que eu adoro;
Mas não; tanto não sou vosso inimigo:
Deixai, não a vejais; eu vo-lo imploro;
Que se seguir quiserdes, o que eu sigo,
Chorareis, ó pastores, o que eu choro.
IV
Sou pastor; não te nego; os meus montados
São esses, que aí vês; vivo contente
Ao trazer entre a relva florescente
A doce companhia dos meus gados;
Ali me ouvem os troncos namorados,
Em que se transformou a antiga gente;
Qualquer deles o seu estrago sente;
Como eu sinto também os meus cuidados.
Vós, ó troncos, (lhes digo) que algum dia
Firmes vos contemplastes, e seguros
Nos braços de uma bela companhia;
Consolai-vos comigo, ó troncos duros;
Que eu alegre algum tempo assim me via;
E hoje os tratos de Amor choro perjuros.
V
Se sou pobre pastor, se não governo
Reinos, nações, províncias, mundo, e gentes;
Se em frio, calma, e chuvas inclementes
Passo o verão, outono, estio, inverno;
Nem por isso trocara o abrigo terno
Desta choça, em que vivo, coas enchentes
Dessa grande fortuna: assaz presentes
Tenho as paixões desse tormento eterno.
Adorar as traições, amar o engano,
Ouvir dos lastimosos o gemido,
Passar aflito o dia, o mês, e o ano;
Seja embora prazer; que a meu ouvido
Soa melhor a voz do desengano,
Que da torpe lisonja o infame ruído.
Tomás Antônio Gonzaga
Cartas Chilenas (1º trecho)
Vejo, ó Critilo, do Chileno Chefe
Tão bem pintada a história nos teus versos,
Que não sei decidir, qual seja a cópia,
Qual seja o original. Dentro em minha alma
Que diversas Paixões, que afetos vários
A um tempo se suscitam! Gelo, e tremo
Umas vezes de horror, de mágoa e susto,
Outras vezes do riso apenas posso
Resistir aos impulsos: igualmente
Me sinto vacilar entre os combates
Da raiva e do prazer. Mas ah! Que disse!
Eu retrato a expressão, nem me subscrevo
Ao sufrágio daquele, que assim pensa
Alheio da razão, que me surpreende.
Trata-se aqui da humanidade aflita;
Exige a natureza os seus deveres:
Nem da mofa, ou do riso pode a ideia
Jamais nutrir-se, enquanto aos olhos nossos
Se propõe do teu chefe a infame história.
Quem me dirá, que da estulticeas obras
Infestas à virtude, e dirigidas
A despertar o escândalo, conseguem
No prudente varão mover o riso?
Eu vejo, que um Calígula se empenha,
Em fazer que de Roma ao Consulado,
Se jure o seu cavalo por colega:
Vejo que os cidadãos e as tropas arma
O filho de Agripina, que os transporta
Em grossos vasos sobre o Tibre; e logo
Por inimigos lhes assina os matos,
Que atacar manda com guerreiro estrondo.
Direi, que me recreia esta loucura?
Que devo rir-me e sufocar o pranto,
Que pula nos meus olhos? Não, Critilo,
Não é esta a moção que n’alma provo.
Por entre estes delírios, insensível,
Me conduz a razão brilhante, e sábia,
A gemer igualmente na desgraça
Dos míseros vassalos, que honrar devem
De um tirano o poder, o trono, o cetro.
Marília de Dirceu
Lira I
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
Que viva de guardar alheio gado;
De tosco trato, d’ expressões grosseiro,
Dos frios gelos, e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal, e nele assisto;
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
Das brancas ovelhinhas tiro o leite,
E mais as finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Eu vi o meu semblante numa fonte,
Dos anos inda não está cortado:
Os pastores, que habitam este monte,
Respeitam o poder do meu cajado.
Com tal destreza toco a sanfoninha,
Que inveja até me tem o próprio Alceste:
Ao som dela concerto a voz celeste;
Nem canto letra, que não seja minha.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Mas tendo tantos dotes da ventura,
Só apreço lhes dou, gentil Pastora,
Depois que teu afeto me segura,
Que queres do que tenho ser senhora.
É bom, minha Marília, é bom ser dono
De um rebanho, que cubra monte, e prado;
Porém, gentil Pastora, o teu agrado
Vale mais q’um rebanho, e mais q’um trono.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Os teus olhos espalham luz divina,
A quem a luz do Sol em vão se atreve:
Papoula, ou rosa delicada, e fina,
Te cobre as faces, que são cor de neve.
Os teus cabelos são uns fios d’ouro;
Teu lindo corpo bálsamos vapora.
Ah! Não, não fez o Céu, gentil Pastora,
Para glória de Amor igual tesouro.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
(...)
Depois de nos ferir a mão da morte,
Ou seja neste monte, ou noutra serra,
Nossos corpos terão, terão a sorte
De consumir os dois a mesma terra.
Na campa, rodeada de ciprestes,
Lerão estas palavras os Pastores:
“Quem quiser ser feliz nos seus amores,
Siga os exemplos, que nos deram estes.”
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Lira II
Pintam, Marília, os Poetas
A um menino vendado,
Com uma aljava de setas,
Arco empunhado na mão;
Ligeiras asas nos ombros,
O tenro corpo despido,
E de Amor, ou de Cupido
São os nomes, que lhe dão.
Porém eu, Marília, nego,
Que assim seja Amor; pois ele
Nem é moço, nem é cego,
Nem setas, nem asas tem.
Ora pois, eu vou formar-lhe
Um retrato mais perfeito,
Que ele já feriu meu peito;
Por isso o conheço bem.
Os seus compridos cabelos,
Que sobre as costas ondeiam,
São que os de Apolo mais belos;
Mas de loura cor não são.
Têm a cor da negra noite;
E com o branco do rosto
Fazem, Marília, um composto
Da mais formosa união.
Tem redonda, e lisa testa,
Arqueadas sobrancelhas;
A voz meiga, a vista honesta,
E seus olhos são uns sóis.
Aqui vence Amor ao Céu,
Que no dia luminoso
O Céu tem um Sol formoso,
E o travesso Amor tem dois.
Na sua face mimosa,
Marília, estão misturadas
Purpúreas folhas de rosa,
Brancas folhas de jasmim.
Dos rubis mais preciosos
Os seus beiços são formados;
Os seus dentes delicados
São pedaços de marfim.
Mal vi seu rosto perfeito
Dei logo um suspiro, e ele
Conheceu haver-me feito
Estrago no coração.
Punha em mim os olhos, quando
Entendia eu não olhava:
Vendo o que via, baixava
A modesta vista ao chão.
Chamei-lhe um dia formoso:
Ele, ouvindo os seus louvores,
Com um gesto desdenhoso
Se sorriu, e não falou.
Pintei-lhe outra vez o estado,
Em que estava esta alma posta;
Não me deu também resposta,
Constrangeu-se, e suspirou.
Conheço os sinais, e logo
Animado de esperança,
Busco dar um desafogo
Ao cansado coração.
Pego em teus dedos nevados,
E querendo dar-lhe um beijo,
Cobriu-se todo de pejo,
E fugiu-me com a mão.
Tu, Marília, agora vendo
De Amor o lindo retrato,
Contigo estarás dizendo,
Que é este o retrato teu.
Sim, Marília, a cópia é tua,
Que Cupido é Deus suposto:
Se há Cupido, é só teu rosto,
Que ele foi quem me venceu.